Porque a SIDA continua a matar.
Porque o número de novos casos de infecção têm aumentado sobretudo entre os jovens heterosexuais.
Porque o avanço da medicina/indústria farmacêutica tem levado a que cada vez mais a SIDA seja encarada como uma doença crónica mas não mortal, com as implicações perniciosas que isso tem ao nível da prevenção.
É fundamental continuar a sensibilizar os nossos jovens para a importância de se protegerem contra este inimigo, ainda, terrível.
SIDA aqueles que têm nome e nos telefonamum dia emagrecem - partemdeixam-nos dobrados ao abandonono interior duma dor inútil mudae vorazarquivámos o amor no abismo do tempoe para lá da pele negra do desgostopressentimos vivoo passageiro ardente das areias - o viajanteque irradia um cheiro a violetas nocturnasacendemos então uma labareda nos dedosacordamos trémulos confusos - a mão queimadajunto ao coraçãoe mais nada se move na centrifugaçãodos segundos - tudo nos faltanem a vida nem o que dela resta nos consolae a ausência fulgura na aurora das manhãse com o rosto ainda sujo de sono ouvimoso rumor do corpo a encher-se de mágoaassim guardamos as nuvens breves os gestosos invernos o repouso a sonolênciao ventoarrastando para longe as imagens difusasdaqueles que amámos mas não voltarama telefonar
Al Berto, in Horto de Incêndio
A sua voz cortada dizia ao telefone
eu estou muito mal, tão mal, e eu queria
anunciar o seu terror; mas quem me escutava?
Via-lhe o ventre com a crosta coagulada
e a melodia do peito, um fluxo em chaga,
donde parecia fugir a massa celular.
Despedia-me do quarto de refugo.
Era melhor esquecer o que diziam terapia.
As supensões alienadas pelos tubos,
a tentativa de tudo o que é vão.
E fôra tanto de dia a dia e um amor
tão usual e nenhum esperara
nas poucas noites longínquas
esse rasgão hospitalar.
Desaparecemos. Com o tempo nenhum lamento.
Embora haja a dor e o terror
e haja até, quem o pode saber?, o amor.
Quando acordo olho primeiro a pele.
Tenho medo das manchas, dos lugares
dos gânglios, da primeira impotência.
Ouço o rancor das ondas
Que não pode findar.
E tenho de seguir os outros desejos,
aceito o amor que pedem os que vão
connosco a caminho desse animal aninhado,
o desaparecimento.
Tudo se transformou em história.
Um vírus que nos deixou
ao anjo sem guarda.
Joaquim Manuel Magalhães, in Alta Noite em Alta Fraga (excertos compilados)